Priscilla Cruz Leal
Mulheres artistas no
Século XIX: França x Brasil
Camille
Claudel nasceu em 1864 na pequena cidade de Frère-en-Tardenois, na
França. Começou a esculpir desde cedo e, em 1881, sabedor de que em
Paris o talento de sua filha seria desenvolvido, seu pai mudou-se
para a Cidade Luz levando toda a família. Naquele período, final do
século XIX, as mulheres não podiam frequentar a Escola de Belas
Artes, ficando restritas aos ateliês, financiados pelas famílias ou
nas poucas Academias particulares, que aceitavam mulheres. A mais
conhecida era a Academia Julian, local onde muitas artistas
brasileiras foram buscar conhecimento, mas Camille começou seus
estudos na arte de esculpir na Academia Colarossi, sob a orientação
do Mestre Alfredo Boucher.
A história de Camille
Claudel é conhecida. Dona de um talento nato, tornou-se assistente
do Mestre Auguste Rodin, e logo sua amante, título pelo qual é
conhecida até hoje.
Após
Camille Claudel, as mulheres passaram, sob vaias dos estudantes, em
1900, a serem aceitas na Escola de Belas Artes, tendo, portanto,
acesso ao estudo das artes, tal como os homens. Camille foi pioneira
por esculpir figuras nuas, particularmente mulheres, de forma
sensual, emprestando seu corpo e seu rosto para tais obras.
Infelizmente, a escultora, irmã do poeta Paul Claudel, não aguentou
a pressão de uma sociedade patriarcal, que não tinha olhos para seu
talento e sua rebeldia, e, após romper com o amante Rodin e perder o
pai, foi levada pela família para um hospital psiquiátrico, onde
morreu 30 anos depois, esquecida e sem nunca mais ter esculpido.
A
história de Camille Claudel foi resgatada nos anos 80 pelo cineasta
francês Bruno Nuytten, que a transformou em filme e a levou para o
mundo.
Após
tantas conquistas femininas nos anos 60 e 70, é difícil imaginar
uma época em que as mulheres eram proibidas de estudar artes
plásticas, porque eram consideradas incapazes para tal. Segundo
Perrot (2009, p.101):
“Escrever
foi difícil. Pintar, esculpir, compor música, criar arte foi ainda
mais difícil. Isso por questões de princípio: a imagem e a música
são formas de criação do mundo. As mulheres eram improprias para
isso. Como poderiam participar dessa colocação em forma, dessa
orquestração do universo? As mulheres podem apenas copiar,
traduzir, interpretar”. Por conta de tal “status”, a mulher era
aceita como musa, objeto de desejo do olhar masculino, mas não como
criadora, agente ativa que olha e coloca em forma o que deseja.
No Brasil, segundo
Simioni (2008, p. 29):
“Durante o século
XIX, a arte parecia ser uma profissão exclusivamente masculina. Os
interessados formavam-se na Academia Imperial de Belas Artes, onde
adquiriam os conhecimentos necessários para se tornarem artistas e,
posteriormente, viverem de suas classes e das encomendas oficiais e
privadas que, vez por outra, aconteciam. As poucas mulheres que
ousaram ingressar nesse sistema dominado pela academia eram julgadas
por seus pares de modo pejorativo, como amadora”.
A Academia Imperial de
Belas Artes foi fundada na cidade do Rio de Janeiro em 1816, mas foi
inaugurada como referência nos estudos das artes, apenas em 1826. Em
1840, a Academia começou a promover exposições abertas para alunos
e não alunos, desde que passassem pelo crivo dos professores
acadêmicos, permitindo assim a entrada das artistas mulheres no
circuito cultural, sob a categoria de “amadora”. O estudo das
mulheres artistas começou a ser possibilitado em 1881 quando o Liceu
de Artes e Ofícios, criado em 1857, abriu suas portas às mulheres.
Na tradicional Escola Nacional de Belas Artes as mulheres só foram
aceitas como alunas em 1893. A opção, portanto, era muito
semelhante às das artistas francesas: estudar com algum homem
artista com o qual elas tinham
ligação, familiar ou amorosa, ou no Liceu.
Nessas poucas linhas,
verificamos que a impossibilidade de fazer parte da vida artística e
a desqualificação da mulher artista impossibilitaram-na de fazer
parte da história da arte do século XIX: Lavinia Fontana e
Sofonisba Anguissola foram pintoras italianas de grande talento no
Renascimento, mas não entraram nos livros de história da arte como
tal; Camille Claudel ainda carrega o estigma de amante do Mestre
Rodin; Julieta de França, escultora, primeira mulher a participar
das aulas de modelos vivos na Academia de Belas Artes no Brasil,
sendo agraciada com uma bolsa importante de estágio em Paris, em
1900, não é conhecida por nós. E, assim, são tantas outras
artistas mulheres, sejam brasileiras ou europeias, que não constam
nos livros de história ou em qualquer mídia especializada. Essas
artistas caíram no esquecimento por muito tempo, a ponto de no Brasil
considerarmos a presença da mulher nas artes plásticas apenas a partir da Semana de
Arte Moderna de 1922, com Tarsila do Amaral e Anita Malfati. De fato, estas artistas
foram muito importantes para a história da arte brasileira, mas só surgiram porque antes
houve mulheres que lutaram pelo direito de estudar a arte na sua plenitude e de fazer
parte dos salões, grande vitrine daquele século. Assim, as mulheres artistas brasileiras
anteriores a essas duas artistas foram esquecidas, não merecendo um lugar de destaque na
linha do tempo das artes plásticas.
O primeiro argumento
poderia ser a ausência de mulheres artistas talentosas, mas, como
cita Simioni (2008, p.46/47):
“Todavia, a qualidade
das obras, a julgar pelo texto e pelas análises do critico, superava
o que se poderia esperar de mulheres amadoras que vivenciavam a
pintura como um mero passatempo ou como um complemento à educação
civilizada. Antes pareciam produções que sinalizavam habilidades,
conhecimento técnico e manejo para grandes composições,
qualidades, segundo o critico, independentes do gênero.”.
Século XX: movimentos
feministas x mudanças
Pouco a pouco as
mulheres começam a inserir-se no campo de trabalho formal, mas é
com o advento da Segunda Guerra Mundial que a sua presença
fortifica-se. Elas não são mais apenas as rainhas do lar. Saem para
trabalhar e, consequentemente, começam a reivindicar mais direitos.
É nos anos 60 que o
movimento feminista se fortalece: as mulheres reivindicam a liberdade
sexual, a liberdade do próprio corpo e a liberdade de expressão.
Surgem autoras discutindo o papel da mulher na sociedade, com
destaque para o prestigiado “Segundo Sexo”, da filósofa francesa
Simone de Beauvoir.
Tais mudanças
modificam também as mulheres artistas, que começam a produzir arte
que trata de questões próprias ao sexo feminino: maternidade e
exclusão social, por exemplo. Essa arte passa a ser conhecida como
arte feminista, já que se torna um meio de expressão e
reinvidicação para as mulheres.
Elas começam a
reivindicar seus lugares nos museus e na história da arte, a se
organizar e a montar suas próprias exposições, a dirigir suas
próprias galerias e a dar aulas particulares. Foi a forma encontrada
para burlar as estruturas ainda dominadas pelos homens e colocar como
tema central o feminino, a perspectiva deste. (GROSENICK, 2003,
p.15).
Em seu artigo sobre a
produção feminista das mulheres nas artes plásticas, Andréa Senra
Coutinho cita:
“Algumas artistas
partem por produzir obras que representam ou evocam simbolicamente
experiências corporais e rituais femininos, outras direcionam sua
produção para as questões políticas e sociais, sendo contra o
racismo, a violência e todas as imposições sofridas pelas
mulheres. Há também uma linha autobiográfica, nesta perspectiva as
obras revelam a história de vida da própria artista, as vivências
pessoais e a intimidade são transformadas em experiência estética.”
Podemos destacar a
artista alemã Eva Hesse e a francesa Louise Bourgeois, que trabalhavam com a
subjetividade nas suas esculturas, e Ana Mendieta, artista cubana, criada nos Estados
Unidos, que se utilizava da linguagem performática e da Earth
body-work para denunciar a condição feminina.
Nos anos 80, mais
precisamente em 1985, surge nos Estados Unidos um grupo de artistas
anônimas que se autodenominam “Guerrilha Girls”. Essas artistas
protestam de forma performática em frente a museus, com o intuito de
conscientizar o público sobre o papel da mulher na história da
arte. A forma encontrada foi inusitada: vestem-se com máscaras de
gorila e permanecem anônimas, se autodenominando com nomes de
grandes artistas mulheres já falecidas, como, por exemplo, a
escultora russa Käthe Kollwitz. E nessa mesma década é inaugurado,
também nos Estados Unidos, o “National Museum of Women in the
Arts”, museu dedicado apenas às obras de mulheres artistas,
idealizado por um casal de colecionadores, que já nos anos 60/70
perceberam o vazio das mulheres na história da arte.
Destaque-se também nos
anos 80 o artigo da historiadora Linda Nochlin, intitulado “Why
have there been no great women artists?”, que questionava o porquê
da ausência de grandes mulheres artistas e assim concluiu:
“A pergunta "Por
que não houve grandes artistas mulheres?" levou-nos à
conclusão, até agora, que a arte não é uma atividade livre,
autônoma de um indivíduo superdotado, "influenciada" por
artistas anteriores, e, mais vagamente e superficialmente, por
"forças sociais", mas sim, que a situação total de tomada de
arte, tanto em termos de desenvolvimento do artista e na natureza e
qualidade do trabalho da arte em si, ocorrem em uma situação
social, são elementos integrantes dessa estrutura social, e são
mediados e determinados por específicas e definíveis instituições
sociais, sejam elas academias de arte,
sistemas de clientelismo, mitologias do criador divino, artista como
homem ou pária social.”.
No Brasil, apesar da
ditadura nos anos 70, tivemos um campo fértil para o desenvolvimento
das artes plásticas, com a criação da FUNARTE em 1975 no Governo
Geisel, que englobava o INAP (Instituto Nacional de Artes Plásticas).
No campo de artistas
mulheres tivemos Lygia Clark, Lygia Pape, Tomie Ohtake, Maria Bonomi
e
Regina Silveira, que se
destacaram no período dos anos 60 e 70. Sobre Lygia Clark, diz
Heloísa Buarque de Hollanda (2006):
“Lygia Clark é muito
especial nesse sentido. As perguntas fundadoras e a grande manobra
radical no território do feminino sem dúvida foram feitas por ela.
Isso é interessante porque a posição estratégica conquistada por
Lygia Clark, nos anos 1960, no campo da criação intelectual e
artística se torna emblemática para a cultura política feminina e
ultrapassa sua atuação nas artes plásticas”.
Num primeiro momento,
poderíamos afirmar que a mulher artista conquistou seu espaço
definitivamente no século XX, nas décadas de 60 e 70, e perpetuou
essa igualdade nas décadas seguintes. No entanto, não foi o que
aconteceu, pois a igualdade de tratamento entre homens e mulheres
artistas não foi inteiramente estabelecida.
Evidentemente a mulher
ganhou espaço na sociedade no campo das artes, citando-se como
exemplo Lygia Clark e Tomie Ohtake, mas as artistas do século XIX
ainda ficaram no esquecimento.
De fato, o novo século
trouxe uma mudança substancial para a condição da mulher artista.
A história se caracteriza como uma sucessão ininterrupta de épocas
(SANTOS, 2000) e, após as conquistas básicas das mulheres,
poderíamos supor que a igualdade era questão de tempo, já que, com
a possibilidade de estudar e de fazer parte dos meios acadêmicos, a
mulher artista iria aparecer, tanto quanto os homens artistas, já
que o critério de análise seria a obra em si.
Segundo Grosenick,
contudo( 2003, p.14):
“Na realidade esta
apregoada igualdade de oportunidades carecia de fundamento. Eram
poucas as mulheres a ensinar em faculdades de Belas Artes ou membros
de academia, elas continuaram a estar sub-representadas em
exposições, e em comparação com o trabalho dos artistas homens, a
atenção da critica voltava-se com muito menos frequência para
elas, sendo suas obras muito menos adquiridas para coleções
públicas e privadas.”
Mulheres artistas: há
desigualdade de gênero na arte no século XXI?
Não há como negar que
as mulheres passaram, no século atual, a ter acesso a muitos
direitos que antes lhes eram negados. Elas cresceram no mercado de
trabalho formal e nas Universidades, e, no século XXI, observamos a
eleição de mulheres para o cargo de Presidente da República em
três países latinoamericanos: Brasil, Chile e Argentina.
Primeiramente,
cumpre-nos esclarecer que o termo “gênero” tem sido comumente
utilizado em trabalhos que abordam temáticas femininas, mas aqui, o
utilizaremos de maneira mais ampla. Segundo Scott ( 1995, p.75):
“O termo gênero além
de um susbtituto para o termo mulheres, é também utilizado para
sugerir que qualquer informação sobre as mulheres é
necessariamente informação sobre os homens, que um implica o estudo
do outro. Essa utilização enfatiza o fato de que o mundo das
mulheres faz parte do mundo dos homens, que
um implica o estudo do outro.”
E continua:
“Além disso, o termo
gênero também é utilizado para designar as relações sociais
entre os sexos. Seu uso rejeita explicitamente explicações
biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum, para
diversas formas de subordinação feminina, nos fatos de que as
mulheres têm capacidade para dar à luz e de que os homens têm
força muscular superior. Em vez disso, o termo gênero torna-se uma
forma de indicar construções sociais”.
Achamos pertinente
pesquisarmos a relação entre homens e mulheres artistas sob o
aspecto social, verificando se ambos possuem o mesmo acesso para
expor os seus trabalhos.
Por tal motivo, também
usamos o termo “desigualdade” ao invés de “diferença”, já
que discutimos a dificuldade das mulheres artistas mostrarem o seu
trabalho, que é maior, em relação ao homem artista. Pretendemos
verificar, então, se a diferença (biológica por exemplo) entre
homens e mulheres ainda leva a algum tipo de exclusão ou
hierarquização de um sobre o outro, no mercado cultural, o que
acarretaria uma desigualdade no volume de produções artísticas
expostas ao público em centros culturais, museus, galerias, etc.
De acordo com José
Pascowitch , a pesquisa "A Mulher no Mercado de Trabalho em
2008", realizada pela Fundação Seade e pelo Dieese
(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos), concluiu que as mulheres que trabalhavam nas
indústrias recebiam R$ 5,74 por hora de trabalho em 2008, ao passo
que os homens ganhavam R$ 8,48, no mesmo setor. Uma diferença de R$
2,74 por hora trabalhada. Já no setor de serviços, a diferença foi
de R$ 0,96 a mais para os homens, que receberam R$ 7,86 por hora,
contra R$ 6,90 pago às mulheres.
No relatório
“Desigualdade Global de Gênero 2009”, elaborado pelo Fórum
Econômico Mundial, o Brasil apareceu em 82º lugar no ranking de 134
países analisados. O relatório mede a participação de homens e
mulheres na sociedade, de acordo com quatro critérios básicos:
diferenças salariais e participação no mercado de trabalho; acesso
à educação e nível de formação educacional; acesso à saúde e
queda de índices de mortalidade; e participação política e
posição em cargos de poder político. Na região, o Brasil só não
é mais desigual que Bolívia, México, Ilhas Maldivas e Guatemala.
Considerando o
relatório, a trajetória do Brasil tem sido de queda. Em 2006, ano
da primeira edição do ranking, quando foram avaliados 115 países,
o Brasil apareceu em 67º lugar. As diferenças salariais no mercado
de trabalho foram responsáveis pela queda do 73º, em 2008, para o
82º lugar. Destacamos que, se a pesquisa tivesse considerado o
quesito diferenças salariais pelo mesmo trabalho executado, o Brasil
ocuparia a 114ª posição em 2009.
.
A desigualdade de
gênero não é uma ficção social e sim uma realidade, como mostram
os números colhidos. As mulheres ganham menos que os homens,
desenvolvendo a mesma atividade. Em relação à cultura, o Itaú
Cultural, em agosto de 2007, realizou a pesquisa “O Mercado de
Trabalho nas Atividades Culturais no Brasil – 1992-2001”, na qual
constatou que a predominância no mercado de trabalho cultural era
masculina, já que o índice de mulheres era maior, cerca de 62,8% em
2001, apenas por conta do setor de educação, onde elas eram
maioria. No entanto, o relatório verificou que, mesmo a
mulher tendo um índice de escolaridade maior que o do homem (10,9
anos de estudo para mulheres ao passo que o dos homens é 8,9 anos),
elas possuiam uma remuneração inferior a deles. O relatório ainda
cita na página 07:
“A persistência de
rendimentos menores resulta da discriminação por gênero no mercado
de trabalho. Portanto, a associação entre cultura e predomínio das
mulheres, com ausência relativa de discriminação, não se sustenta
minimamente a partir desses dados e, sendo um setor que tem
formalmente políticas de valorização da igualdade e da
diversidade, não se justifica que as desigualdades de gênero
no mercado de trabalho não sejam combatidas com ações específicas
e programas direcionados”.
E em relação às
mulheres artistas na pintura e na escultura? Podemos afirmar que
existe igualdade de gênero na arte?
Para fazer esse artigo
entramos em contato com o Museu de Arte de São Paulo Assis
Chateaubriand (MASP), Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM),
Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu brasileiro da Escultura (
MUBE), Fundação Bienal de São Paulo, Associação Nacional dos
Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP) e com o Sindicato Nacional
dos Artistas Plásticos em São Paulo (SINAPESP), além de termos
consultado o site do Centro Cultural Instituto Tomei Ohtake.
Nenhum dos museus
procurados possuía dados quantitativos quanto ao sexo dos artistas.
O sindicato e a associação tão pouco. Nenhum dos entes citados
acima soube dizer quantas obras de mulheres artistas continham em
seus acervos ou quantas mulheres artistas eram sindicalizadas ou
associadas.
A biblioteca do MASP
disponibilizou seus catálogos para levantamento dos dados
solicitados. Verificamos então que até 2008, o acervo do museu
contava com aproximadamente 380 obras de homens artistas e 28 obras
de artistas mulheres. A Fundação Bienal de São Paulo também
disponibilizou a lista dos artistas que expuseram nas últimas
bienais. Foi constatado que na Bienal de 2010, de um total de 163
artistas (contando coletivos), 101 eram homens e 47 mulheres ( os
coletivos não entraram nessa contagem); em 2008, dos 41 artistas, 24
eram homens e 11 eram mulheres; em 2006, dos 109 artistas, 59 eram
homens e 37 eram mulheres; no MUBE, de acordo com o site do Museu,
que traz todas as exposições realizadas entre 2009 e 2011,
contabilizamos 18 exposições solo de
homens artistas e 6 de mulheres artistas; e, por fim, em pesquisa no
site do Instituto Tomie Othake, verificamos que entre 2005 e 2011
foram realizadas 51 exposições solo de artistas homens e 15 de
mulheres artistas, sendo 6 da própria Tomie Othake.
Na França, segundo
Bonnet (2006, p.134), no ano 2000 o Museu Nacional de Arte Moderna de
Paris possuía cerca de 628 obras de mulheres artistas e 3660 obras
de homens artistas. As mulheres, portanto, ocupavam cerca de 14,6% do
acervo do Museu, ressaltando que grande parte desse número
compreendia a fotografia, diminuindo assim o número de pinturas e
esculturas de artistas mulheres.
Sensível a esse
cenário, o Centre Pompidou em Paris, realizou entre 2009 e 2010 uma
mostra permanente das obras das mulheres artistas do seu acervo,
justificando a ação da seguinte maneira:
“Apesar das lutas
feministas dos anos 1970, artistas mulheres ainda sofrem com a falta
de visibilidade, como mostra a baixa proporção de mulheres artistas
nas coleções de museus franceses e no Fundo Nacional e Regional de
Arte Contemporânea. Acreditamos que exposições, feministas ou não,
que colocam as mulheres na frente do palco são bastante relevantes e
úteis, como demonstrado pelo sucesso de WACK! Exposição,
organizada pelo Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles em 2007.
O público vai descobrir na exposição elle@centrepompidou muitas
artistas que ele não conhece porque elas não ocupam o seu lugar de
direito, e muitas novas aquisições feitas pelo ICC-MNAM. Mais de
38% das obras apresentadas no elle@centrepompidou foram adquiridas entre
2004 e 2009 e 51% dos artistas representadas entraram nas coleções
de MNAM-ICC durante este mesmo período”
Ressaltamos que o
recorte analisado é o de gênero e não o de raça. A opção deu-se
pela dificuldade em levantar tais dados e pela exigência de um
período maior de pesquisa, inviável para a feitura desse artigo.
Mas, sem dúvida, uma pesquisa com o viés do recorte racial é de
extrema importância, tanto quanto com o viés do gênero.
Não podemos afirmar
que existe desigualdade de gênero nas artes nos tempos atuais, pois,
para tanto, deveríamos ter comparativos mais complexos. No entanto,
também não podemos afirmar que não existe. Isso porque, como já
citamos, durante o processo de pesquisa, verificamos a ausência de
dados nas instituições pesquisadas. Não há preocupação em
inventariar a arte, de extrair dados quantitativos e assim criar um
arquivo que demonstre as aquisições das obras por gênero, por
exemplo. Em contato com o Sindicato dos Artistas Plásticos de São
Paulo, foi informado que o número de mulheres artistas
sindicalizadas era infinitamente maior que o de homens, mas que hoje a mulher tem as mesmas
oportunidades que o homem artista, já que o que conta é a qualidade da obra
artística.
Esse tipo de
pensamento, qual seja, a igualdade entre mulheres e homens artistas e
a crença de que o julgamento é apenas pela obra, é comum nos dias
de hoje, mas não é embasado em dados ou pesquisas oficiais que
demonstrem que, de fato, no século XXI, a mulher artista deu uma
virada na própria história e conquistou seu espaço
definitivamente. Pelo contrário, os dados preliminares colhidos para
esse artigo mostram que elas ainda são minoria nas Instituições
Culturais e Museus pesquisados, não alcançando 50% do total da arte
exposta pelos artistas homens.
Como cita o curador
Paulo Henkenhoff, no Catálogo da exposição "Manobras
Radicais” (2006,p.17), "O Brasil é refratário à discussão
das diferenças no campo da arte"
A discussão de
desigualdade de gênero vem sendo levantada. A UNESCO lançou o tema
como prioridade global. No Brasil, temos Secretarias voltadas à
mulher, como, por exemplo, a Secretaria de Políticas para as
Mulheres, ligada ao Governo Federal. No entanto, no campo das artes,
apesar de termos pesquisadoras debruçando-se sobre o assunto, não
foram encontrados estudos ou levantamentos mais apurados que tratam
da questão no século XXI.
Entendemos a
dificuldade, já que o trabalho de pesquisa exige distanciamento
temporal, mas a ausência de discussões, de levantamentos
quantitativos e de um inventário que mostre o caminho das mulheres e
homens artistas pelo tempo demonstra um possível desconhecimento e
falta de interesse por parte dos gestores culturais, e,
consequentemente, ausência de políticas públicas direcionadas.
Tal falta é um
obstáculo à diversidade cultural, já que a princípio temos apenas
acesso a obras feitas por homens, o que vale dizer, a um determinado
ponto de vista.
Nota-se que não
falamos de certo e errado, mas de diversidade de pensamento e de
expressão. A sociedade tem o direito de ter acesso a todas as
manifestações artísticas nas artes plásticas e assim formar seu
próprio referencial. Para tanto, precisamos de políticas públicas
que incorporem as mulheres artistas de forma igualitária aos homens
artistas no cenário cultural, e assim ampliar a pluralidade de
interesses e visões na sociedade. ( RUBIM; CALABRE, p.36)
Exposições com a
temática “Mulheres Artistas” vêm ocorrendo não só no Brasil,
mas na Europa. Merecem destaques as exposições "Mulheres
Artistas", realizada em 2011 no Palácio do Planalto, a pedido
da Presidente Dilma Roussef; e a exposição "Manobras
Radicais", com curadoria de Heloísa Buarque de Hollanda e Paulo
Henkenhoff, no Centro Cultural Banco do Brasil- São Paulo, em 2006.
Em Paris, o Centre Pompidou realizou a já citada exposição 'ELLE”,
entre 2009 e 2010.
As exposições são
importantes na medida que reúnem esses trabalhos e os iluminam,
dando ao público a possibilidade de acessá-los. No entanto, tal
medida é apenas um caminho que não abarca a discussão da
desigualdade. Deve-se aprofundar o tema, verificando-se, por exemplo,
onde essa desigualdade começa. Seria no acesso ao estudo ou nas
instituições responsáveis pela recepção desses trabalhos? Na
reportagem sobre o projeto "Let's Spit on The Genius", com
curadoria da espanhola Blanca de La Torre, é citado que, entre 2003
e 2004, 64% dos alunos graduados em arte eram mulheres, mas, entre
2005 e 2007, no Museu Nacional Centro de Artes Reino Sofia (MNCARS),
no Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (MACBA) e no Instituto
Valenciano de Arte Moderna (IVAM), houve 94 exposições solo de
artistas e somente 15 % desse número eram de mulheres artistas.
No Brasil, não
encontramos junto às Universidades pesquisadas dados quantitativos,
separados por sexo, de formandos e formandas em artes plásticas, o
que impossibilitou de fazermos a mesma comparação do projeto
supracitado.
Para Bonnet
(2006,p.134), trata-se de um problema simbólico, portanto, a
profissionalização das mulheres e a sua chegada às Universidades
não mudaram o quadro de desigualdade, já que a discriminação
encontra-se no trabalho e no pensamento. É, portanto, preciso
repensar a história da arte.
É necessário
repensarmos a questão do gênero na arte brasileira. Levantar os
dados históricos esquecidos, verificar a situação atual com afinco
e tornar o assunto discutível, transgredindo verdades difundidas na
sociedade sem nenhum embasamento. Temos que pensar na Mulher Artista
dentro do panorama atual e resgatar as artistas esquecidas pela
história patriarcal dominante. Só assim, poderemos fomentar a
diversidade cultural do país, possibilitando o livre acesso a essas
obras artísticas e evitando a possibilidade de, no próximo século,
ainda termos artistas esquecidas ou vinculadas não ao legado
deixado, mas apenas à sua vida amorosa ou social.